O líder da Igreja Católica angolana mostrou-se hoje confiante na maturidade democrática dos eleitores e pediu aos políticos que promovam o diálogo para que, no dia seguinte às eleições, seja possível “construir a paz e a concórdia”. É pena que José Manuel Imbamba não tenha tido esta preocupação durante os últimos cinco anos, já para não falar das últimas décadas.
“No dia seguinte [às eleições de 24 de Agosto], continuaremos a ser angolanos, a construir a paz, a construir o amor, a concórdia e a reconciliação. A construir a Angola de todos para todos”, disse o arcebispo José Manuel Imbamba, presidente da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), em declarações aos jornalistas, no final de uma cerimónia de campanha eleitoral organizada pelo MPLA com confissões religiosas, e á qual a Igreja Católica deu credibilidade (ou será apoio?) com a sua presença.
Sobre o dia das eleições, o arcebispo de Saurimo que dirige a igreja angolana pediu que a data “seja vivida como um momento de convívio social”, num “espírito de paz, reconciliação, unidade e irmandade” que “esteja acima de outras querelas”.
“Que no dia 24, o povo angolano demonstre essa maturidade que sempre demonstrou noutros momentos” e que os líderes políticos “deixem todos os ressentimentos, todos os ódios, que não olhem o poder pelo poder, que vivam a paz virada para o progresso do povo angolano”, pediu José Manuel Imbamba.
Na sessão do MPLA, foi apresentado o programa do partido no poder há 47 anos, mas Manuel Imbamba lamentou que este tipo de diálogo institucional não se repita fora dos períodos eleitorais. Ora aí está. Mas, mesmo assim, a Igreja Católica aceitou ser – nem que seja involuntariamente – um trunfo eleitoral do MPLA. E é pena.
“[É] uma iniciativa que considero muito oportuna e importante porque tomámos contacto com aquilo que o partido no poder pensa em relação aos próximos cinco anos”, mas “é um diálogo que não deve ser reservado apenas para momentos como estes, perto das eleições”, salientou o prelado.
Para José Manuel Imbamba, “deveria ser um diálogo frequente” para se pensar “os problemas comuns”, e pediu uma mudança estrutural na administração do país.
“A reforma do Estado é o caminho para a solução de todos os problemas. Reforma esta que exige primeiro a reforma das próprias pessoas” que devem “incorporar os valores éticos” em “relação aos compromissos sociais, para que verdadeiramente esses compromissos sejam assumidos em nome de Angola e da cidadania e não em nome do partido ou da militância”, explicou, lamentando a partidarização das instituições públicas.
“As instituições ainda têm doenças endémicas que é preciso sanar e essas doenças têm a ver com a própria instrumentalização e politização e todos aqueles vícios que não ajudam a que essas instituições estejam ao serviço da cidadania”, salientou.
IDE EM PAZ E QUE O MPLA VOS ACOMPANHE…
No dia 14 de Julho deste ano, os bispos católicos angolanos exortaram os políticos a fazerem discursos que “elevem o patriotismo e a cidadania”, reiterando a necessidade da “tolerância” e de “evitarem discursos insultuosos e incendiários, que tendem à banalização”, em ambiente eleitoral. Mais vale tarde do que nunca…
É preciso primar “principalmente os políticos, por discursos que despertem a nobreza do patriotismo, da cidadania, da harmonia e amizade social que garantam no povo acreditar num futuro melhor”, afirmou José Manuel Imbamba.
O responsável recordou que o país “será chamado mais uma vez a viver um dos mais significativos acontecimentos da sua história”, desejando que o processo decorra “com grande alegria e exemplar convívio social”.
Todavia, frisou, trata-se também de “um momento de grande e grave responsabilidade” porque mais uma vez será posta à prova a capacidade de mostrar que os angolanos “procuram ser verdadeiros irmãos uns dos outros”.
José Manuel Imbamba reiterou os apelos para a “elevação da tolerância, do respeito pelas instituições do Estado e pelas diferenças políticas e de se evitarem discursos insultuosos, difamatórios e incendiários que tendem à banalização, à ofensa, ao desrespeito da dignidade e do bom nome alheios e ao fanatismo cego e violento, para um ambiente eleitoral harmonioso”.
Pediu também aos fazedores de opinião e analistas a “controlarem mais as suas emoções” para se “evitar impelir os cidadãos a conclusões erradas contra terceiros”. A fazer fé no (des)empenho da Igreja Católica nos 47 anos de domínio absoluto e cleptocrático do MPLA, é caso para perguntar a José Manuel Imbamba se o melhor é olhar para o que dizem e não para o que fazem?
Para o líder da CEAST, as falsas notícias “não devem ser transformadas em arma de arremesso contra a honra alheia”, exortando os órgãos de informação, públicos e privados, a transformarem-se em “autênticas escolas para a vida, cidadania, liberdade, paz, unidade, fraternidade, justiça, ética e verdade”.
Mais uma vez é caso para perguntar a José Manuel Imbamba se o que conta é a verdade ou, apenas, passar ao lado dela para não ferir a susceptibilidade dos que, embora tendo do seu lado a razão da força, não têm a força da razão?
“Tenhamos sempre presente que a paz terrena nasce do amor ao próximo, absolutamente necessárias para a sua edificação é a vontade firme de respeitar a dignidade dos outros e a prática assídua da fraternidade”, notou. Daí, provavelmente, o facto de Angola ter, por exemplo, 20 milhões de pobres…
O arcebispo de Saurimo defendeu igualmente a necessidade da “intensificação” de acções de educação cívica, sobretudo nas comunidades, no âmbito das eleições da próxima quarta-feira, talvez seguindo o exemplo “divino” dos que se preparam para matar todos os galos que existam para fazer uma monumental cabidela, eventualmente benzida pela Santa Igreja Católica.
“E da sensibilização das consciências para o dever e a urgência de todos trabalharmos para a consolidação do bem, da paz, da democracia e do convívio salutar da nossa terra”, rematou José Manuel Imbamba.
No passado dia 1 de Fevereiro, os bispos católicos consideraram que se verificava em Angola um “perigoso vazio de diálogo” entre “governantes e governados” e entre as lideranças partidárias, o que “eleva o radicalismo e intolerância”, num contexto de “assustadora” pobreza. Também defenderam, dizem, “verdade, justiça e transparência” na preparação das eleições gerais, e exortaram todos os cidadãos a participarem do processo com “alto sentido de responsabilidade” e a “evitarem absentismo”.
Na altura, José Manuel Imbamba afirmou que há, em Angola, uma “evidente degradação dos hábitos e costumes do comportamento social, das atitudes e do civismo” e verifica-se “um perigoso vazio entre os governantes e governados, entre as lideranças partidárias e entre os vários actores cívicos”.
“Elevando ainda mais os níveis de ansiedade, de radicalismo, intolerância, indisciplina, violência física, verbal, moral e psicológica”, afirmou o prelado, para quem os meios de comunicação social, sobretudo públicos, “também estão a contribuir para o actual ambiente sombrio e nefasto” cujo desempenho, notou, “em nada contribui para a harmonia social, paz dos espíritos, para cultura do diálogo, da democracia e da fraternidade social”.
“Daí o meu apelo à serenidade, ponderação, abertura de espírito e ao acolhimento e aceitação mútua em nome da pátria, em nome de Angola. Que os partidos não sejam mais importantes do que o país e as bandeiras partidárias que inundam as aldeias não suplantem a bandeira da República”, exortou.
Daí, disse, é necessário “ter coragem de encarar e curar com verdade as causas dos nossos problemas para evitarmos soluções fugazes e com pouco impacto na vida normal dos cidadãos”.
Uma igreja “mais dinâmica, ágil, mais presente na vida das pessoas” e de todas as realidades socioculturais e política e “mais próxima possível dos mais desfavorecidos, dos mais pobres, das minorias étnicas” é o que augurou o presidente da CEAST.
“O ano de 2022 é o ano das eleições para a consolidação da nossa democracia ainda jovem e débil embora já com alguma história no tempo. A democracia fortificada contribui, por sua natureza, indubitavelmente para a afirmação da dignidade humana, o reforço da justiça, da paz e do bem-estar entre os cidadãos”, afirmou José Manuel Imbamba.
Segundo o prelado católico, a sociedade “aguarda com expectativa” estes acontecimentos (eleições gerais). Mas, ao mesmo tempo, assinalou, “apelo a todos os cidadãos, dirigentes e dirigidos, políticos e sociedade civil a um alto sentido de responsabilidade, por isso renovo o convite a todos participarmos das eleições, pois é um dever cívico”.
José Manuel Imbamba entende, por outro lado, que a campanha eleitoral “só será bem-sucedida se for baseada no respeito mútuo e todos os partidos reconhecidos tiverem o direito e a oportunidade de expressar o seu ideário”.
“Sem excessos e cegos fanatismos, que geram o clima de crispação, rixas, medo, incerteza e falta de confiança no futuro, sejamos construtores de pontes e não de muros de separação, façamos render as nossas inteligências não para maquinar o mal, o ódio, a intriga, a calúnia, a exclusão”, notou.
O presidente da CEAST reprova também os “discursos musculados e incendiários, e tantos outros horrores hostis à sã convivência”, no decurso da campanha eleitoral, defendendo a necessidade dos actores políticos “lerem os sinais dos tempos e interpretá-los à luz da sabedoria e humildade”. Cabidela à parte.
“Por Angola todos nós devemos sentar-nos para nos ouvirmos, por Angola todos nós devemos nos despir das nossas diferenças para termos a única vestimenta que é Angola, a nossa pátria que tanto amamos e que queremos ver brilhar”, defendeu.
A “pobreza, a falta de assistência médica, de escolas, os vários abusos, de que as vezes é vítima, a fome, a desnutrição constituem alguns dos males que nos preocupam a atentam contra sua identidade e dignidade e comprometem o futuro da sociedade”, rematou o arcebispo angolano.
Folha 8 com Lusa